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48. Território dos Deuses

O Artesão estava sentado em cima de uma estátua de pedra na torre. Ele parecia um anjo de verdade, talvez por causa de suas roupas brancas que esvoaçavam ao vento.

Acariciando o Tawaki em suas penas, Avys olhou para o Artesão. Suas características faciais suaves o lembravam de uma sobremesa doce que poderia derreter sob o sol. Seu belo rosto, cheio de feições encantadoras, estava, no entanto, cheio de tristeza.

O homem estava olhando para trás, onde não viu outra criatura viva além do Star One. O Artesão soltou um suspiro profundo. Avys olhou para ele preocupado. O homem forçou um sorriso. “Está tudo bem”, disse ele.

Ele não parecia nada bem. “Podemos invocar nossos amigos como filhos de pássaros e invocadores”, disse Avys. “Você disse que perdeu suas habilidades de invocação, mas você não seria capaz de invocá-los se os chamasse com um artefato?”

O Artesão deu de ombros. “Perdi essa habilidade. Não preciso testá-la. Posso sentir que o presente do mundo está fechado.”

Avys engoliu em seco ao encarar o homem.

“Você deve ser o último presente que me foi concedido”, disse o homem.

Avys abriu a boca, mas decidiu não falar. O Artesão bateu as asas uma vez para manter o equilíbrio. “Quanta invocação você acha que pode fazer?”, ele perguntou.

Avys virou-se para o Tawaki. Ele se lembrou de seus outros amigos grandes, de aparência divina, com asas e rosto humano.

“Não tenho certeza”, disse ele. “Minha habilidade provavelmente para em invocar amigos muito poderosos.”

“Você está certo. É um privilégio podermos invocar amigos poderosos. No entanto, essa habilidade de invocação é…”, o Artesão virou-se para olhar Avys. “Se você tiver sorte, você pode chegar ao Território dos Deuses. Mesmo assim, as chances são pequenas, e seria extremamente difícil.”

Território dos Deuses… Avys piscou enquanto pensava sobre isso. O Clã Matador de Dragões seria um inimigo fácil se ele pudesse superar os deuses usando o poder.

O homem abaixou a cabeça sob a luz do sol deslumbrante. “Eu obviamente não sou tão poderoso quanto você pensa. Eu era arrogante. Eu pensei que não tinha nada a temer se minhas habilidades de invocação fossem comparadas às dos deuses. No entanto, eu não tinha visto um tipo completamente diferente de desastre chegando.”

Avys esperou calmamente que ele continuasse.

“Houve uma guerra. Dois grupos poderosos entraram em confronto por causa de interesses conflitantes. Cada lado tentou desenvolver armas de destruição mais intensas à medida que a guerra prosseguia. Eles acabaram entrando em um território que não lhes era permitido.”

O homem abraçou os joelhos. “Era um espírito maligno que destruía a mente. Ele devorava as pessoas e crescia. O espírito maligno controlava os corpos das pessoas, possuía seus espíritos e causava delírio. Usava os corpos para matar os outros e se movia para outros corpos. Também…”

Os olhos do Artesão tremeram. “Ele passou a ter seu próprio senso de identidade. No início, ele apenas causou estragos físicos e matou outros, mas acabou usando a posição e o poder únicos do hospedeiro para exercer mais influência. Ele até fingia ser normal, usando todas memórias do hospedeiro. Como resultado, não podíamos confiar um no outro. Caos e mais caos, e depois não poderíamos dizer se estávamos matando uns aos outros por causa do espírito maligno ou do ódio.”

Avys ficou surpreso ao saber o que havia acontecido. As pessoas e a aldeia pareciam pacíficas à chegada. Ele não teria pensado que o mundo tinha passado por tais eventos.

“A desconfiança e o caos diminuíram quando desenvolvemos um artefato que poderia identificar possessões de espíritos malignos.”

“Você…?”

“Sim, eu fiz. Eu era o melhor artesão do país. Fiquei feliz quando fiz pela primeira vez, pensando que o tormento tinha acabado. Mas eu tinha chegado a uma conclusão prematura. Isso só marcou o início de outra onda de tormento.”

O Artesão levantou a cabeça ligeiramente. Suas roupas esvoaçavam na brisa. “Nessa onda, o espírito maligno usou como hospedeiro os líderes mundiais. Ele manipulou as pessoas para se livrar do artefato. Ele até mesmo moldou crenças ideológicas, ridicularizando as pessoas que defendiam a remoção do espírito maligno.”

A tristeza era evidente em sua voz calma.

“Tivemos que lutar por uma solução diferente”, disse o Artesão enquanto levantava a mão e escrevia uma fórmula complexa no ar. “Nós fizemos um artefato que prende os espíritos malignos, um talismã que afasta os espíritos, fazendo labirintos para prendê-los…”

A fórmula mudou enquanto ele falava. Ela acabou desaparecendo de trás para frente.

“Mas não conseguíamos conter o espírito maligno, então procuramos uma alternativa. Um amigo vasculhou livros antigos e encontrou uma maneira de passar para a dimensão mais próxima. Se não pudéssemos expulsar o espírito maligno de nosso mundo, nossa única escolha era ir embora.”

O Artesão olhou para Avys. “O lado bom é que os espíritos malignos não podem cruzar as dimensões facilmente.”

O Artesão retraiu a fórmula com os olhos cheios de remorso. “Eu cruzei dimensões para o local que meu amigo me falou, e invocamos tudo em nosso mundo. A dor era excruciante, e eu temia que pudesse morrer, mas eu aguentei. Era a única maneira de salvar a todos.”

Ele franziu a testa como se a memória por si só causasse dor. “Conseguimos eventualmente, mas perdi quase toda a minha habilidade de invocação por fazer o impossível de entrar no território de um deus. Mas não me arrependo.” O homem sorriu tristemente.

O homem lembrou Avys das pedras preciosas quebradas, talvez por causa da luz do sol brilhante.

“Fui deixado sozinho como resultado, mas talvez tenha tido sorte. Meus amigos se sacrificaram, deixando o espírito maligno para mim. Eles se ofereceram alegremente para o experimento de artefato anti-espírito maligno.”

Isso pode explicar por que ele foi deixado sozinho O Artesão suspirou profundamente. “O tempo passou e quase ninguém na outra dimensão se lembra que eles migraram no passado.” Ele enterrou o rosto nas mãos. “Eu sou o único. Eu sou a única pessoa hoje que sabe cruzar dimensões.”

Avys cuidadosamente colocou a mão nas costas da mão do Artesão. Sua mão ainda estava áspera.

“Agora eu sei disso também”, disse Avys. “Espero poder aliviar seu fardo.”

O Artesão sorriu ao sentir o calor de Avys.

“O espírito maligno não pereceu completamente, não é? O que você precisa fazer para ele desaparecer?”

“Você não pode fazer ele desaparecer completamente. A melhor solução é selar ele.”

“Selar… Onde está o espírito agora?”

Avys e os membros ficaram nesse mundo com o Artesão por um tempo, mas não encontraram um espírito maligno.

O Artesão levantou a cabeça. Ele perdeu o equilíbrio novamente, ficando precariamente no topo da torre. Suas asas brancas bateram novamente para se estabilizar.

Tudo isso lembrou Avys das circunstâncias do Artesão. Sua tentativa de selar o espírito maligno foi como se ele tentasse recuperar o equilíbrio.

“Está preso no labirinto que construí”, disse o Artesão. “Ele possuíu meu amigo.”

Avys ficou sem palavras. Ele não podia acreditar que o amigo dele estava preso lá possuído, não o próprio espírito maligno.

“Nunca se sabe quando aquele astuto espírito maligno pode escapar do labirinto”, acrescentou o Artesão. “Para selar o labirinto completamente, tenho que sacrificar o coração do arquiteto – meu próprio coração.”

“Ao sacrificar seu coração, você quer dizer… que você deve morrer?”, Avys perguntou, se sentindo sem esperança.

O Artesão sorriu amargamente. “Sim. Mas não há outra escolha. Nunca se sabe quando ele pode encontrar um caminho para outra dimensão e ameaçar a mesma.” Ele olhou para longe como se estivesse olhando para outra dimensão e além.

“Eu estava sobrecarregado e sozinho. Preciso da ajuda de vocês. Eu quase não tenho mais magia. Eu tenho tentado amplificar com o artefato, mas posso sentir que não é o suficiente para selar o labirinto. Por isso precisava das flores que pedi para vocês brotarem.”

O Artesão acariciou o Tawaki como se quisesse sentir o pouco calor de suas penas macias. “A visão das flores pode atrapalhar o fechamento do labirinto, mas ajuda na amplificação da magia. Tudo será feito se vocês plantarem as flores no labirinto.” Ele continuou acariciando o Tawaki enquanto falava.

Ele deve ter se sentido muito solitário.

Avys não conseguia imaginar se sentir vazio em ver as pessoas sem poder falar com elas.

O pensamento o levou a abrir o portão dimensional com sua habilidade de invocação. Ele então se viu invocando um pequeno pássaro.

Um pássaro branco com um bico amarelo cantou e voou até o Artesão. Avys apresentou o pássaro. “Eu tentei invocar um cativante que gosta de seguir as pessoas por aí”, ele disse. “Esse amigo vai ficar com você a partir de agora.”

“Entendi. Obrigado”, disse o Artesão. “Mas esse amigo ficará sozinho nesse mundo quando eu fechar o labirinto.”

“Não se preocupe com isso. Esse pássaro pode cruzar dimensões. Ele vai voltar de onde veio assim que tudo acabar.”

“Uau. Entendi. Acho que já ouvi falar de familiares que retornam e contam aos seus amigos sobre a jornada.” O Artesão deu um beijo na testa pequena do pássaro. “Você vai contar a seus amigos sobre mim quando voltar, passarinho? Estou curioso para saber que tipo de história eles vão ouvir.”

O pássaro inclinou a cabeça e gorjeou, e então pousou no ombro do Artesão. Avys sorriu para o pássaro que gorjeava no colarinho do homem. Ele estava orgulhoso de si mesmo por ter apresentado um bom amigo a ele.

O Artesão parecia gostar do comportamento cativante do pássaro. “Você tem um coração forte”, disse ele a Avys com um sorriso. “Você foi generoso o suficiente para me apresentar um grande amigo.”

Avys balançou a cabeça lentamente. “Obrigado, mas nem sempre sou forte. Tenho muitas fraquezas e me assusto facilmente.”

“Ser forte nem sempre significa força ou habilidade física. A verdadeira força vem da bondade. Não teríamos uma guerra se tivéssemos isso.”

O pássaro piou como se concordasse com o homem.

“Mas meus colegas de banda parecem se preocupar muito comigo. Talvez seja porque eu sou o membro mais novo”, disse Avys. “Às vezes eles não parecem me aprovar.”

“Tenho certeza que eles não desaprovam você. Deve ser a maneira deles de expressar o amor por você. Ninguém quer que seu amigo sofra.”

“Hmm. Você tem razão. Eu odiaria ver meus companheiros de banda machucados também. É por isso que estou tentando o meu melhor para ficar mais forte.”

Ele estava certo; os membros se submeteram a um treinamento doloroso para proteger uns aos outros.

“Você me pediu para selar um labirinto, mas eu sinto que estou preso em um labirinto infinito. Eu sempre duvido se estou no caminho certo para alcançar meu objetivo.”

O Artesão ouviu atentamente a confissão de Avys. “Bem… acho que é hora de conselhos e de sabedoria”, disse ele.

“Eu falo muito com meus companheiros de banda. Alguém estaria disposto a dar mais conselhos?”

“Você tem algum mentor?”

Avys balançou a cabeça. Enquanto ele tinha instrutores de magia no Pico do Dragão, eles estavam longe de serem mentores que transmitiam sabedoria e mais conhecimento.

“Entendo. Se for esse o caso…”, o Artesão falou com cautela.

Avys curiosamente esperou que ele continuasse.

“Fale com seus amigos”, disse o homem com um sorriso caloroso.

“Hã? Eu falo com meus colegas de banda o tempo todo”, Avys respondeu ao conselho inesperado.

O Artesão balançou a cabeça lentamente. “Muitos de seus amigos não ficariam chateados se você apenas chamasse outros humanos de amigos?”

Só então Avys percebeu que o homem estava se referindo aos familiares.

Como nunca pensei nisso?

No entanto, familiares capazes de conversar eram muito avançados para serem invocados com seu nível de magia atual.

“É uma boa ideia”, disse Avys, “mas seria difícil com minhas habilidades atuais.”

“Ah, é? Deixe-me ver se consigo trazer-lhe um amiguinho dessa vez. Familiares sempre atendem um chamado de um filho dos pássaros.”

Avys assentiu com um sorriso. “Obrigado. Mal posso esperar.”

O Artesão olhou para Avys como se estivesse orgulhoso dele, então olhou para o mundo vazio novamente. O mundo que jazia sob o céu claro e sem nuvens era dolorosamente belo. “Devemos voltar. É hora de descansar”, disse ele, tentando o seu melhor para deixar de lado a tristeza que caiu sobre ele.

“Ah, claro.”

O Artesão deu de ombros uma vez. Suas belas asas bateram para se revelar. Avys sentou-se nas costas do Tawaki para segui-lo. A luz do sol e a brisa, embora criadas por magia, faziam cócegas deliciosas em seu cabelo e rosto.

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